O ANJO DE HAMBURGO

 

Conheci uma neta de D. Araci, Vera Tess, que me desvendou um pouco dessa personalidade notável que foi sua avó Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa.

 

Vinda de uma família de classe média paranaense, aos 26 anos, separada e com um filho de 5 anos, ela resolveu partir para a Alemanha de Hitler. As razões que a fizeram tomar tal decisão ainda permanecem um mistério. A viagem era ainda de navio.

 

Após algum tempo, já com a necessidade de sair da casa de sua tia, irmã de sua mãe, conseguiu um emprego no Consulado de Hamburgo, como chefe da Seção de Passaportes. Era poliglota, falava português, inglês, francês e alemão.

 

À época os judeus eram considerados párias e o antissemitismo uma lei. Hitler fascinava o povo alemão, que parecia indiferente aos campos de concentração e à incineração em massa dos judeus, que não tinham direitos políticos, sociais, morais, não podiam sair do país, bem como o seu passaporte deveria conter o J em vermelho, designando sua condição judaica. A regra era não liberar vistos aos judeus, ou pelo menos procrastinar sua liberação.

 

Em 1938, passou a vigorar no Brasil a Circular 1.127, que restringia a entrada dos judeus no país. Aracy ignorou a circular e continuou preparando vistos para judeus, permitindo, assim, sua entrada no Brasil. Não se sabe ao certo quais expedientes ela utilizava para liberar os passaportes, todavia, como ela despachava com o cônsul geral, colocava os vistos entre a papelada para assinatura. Aracy simplesmente omitia a letra J que designava quem era judeu. Ficou conhecida como Anjo de Hamburgo.

 

Conta-se episódio em que ela atravessou a fronteira da Alemanha com um judeu no porta-malas de seu carro, arriscando sua vida e dos seus. No Brasil ajudou artistas e personalidades perseguidos pela ditadura, com0 Geraldo Vandré. Lutou silenciosamente contra o nazismo de Hitler e contra o fascismo de Vargas, afirmando "que todos nós somos iguais".*

 

Nesse período, João Guimarães Rosa, que já era um grande escritor, fora designado como cônsul e apresentado a Araci; nasceu um grande amor entre eles. Não há registro de como se iniciou, todavia, ela registrava em um pequeno diário, que inicialmente ajudou o cônsul na busca de uma casa em Hamburgo. Quase diariamente saíam em busca de uma nova residência, mas não há registros sobre o que conversavam, riam... Após um período, há um registro de uma viagem de ambos para Roma. Chamava-o carinhosamente de Joãzinho. Casaram-se no México, uma vez que no Brasil, ainda não havia o divórcio.

 

Ela tem seu nome escrito no Jardim dos Justos entre as Nações, no Museu do Holocausto (Yad Vashem), em Israel.

 

Recentemente sua vida virou o filme Esse Viver Ninguém Me Tira, de Caco Ciocler, veiculado no MIS.

 

O livro Grandes Sertões: Veredas é dedicado a Aracy.

 

Grande, Ara. ∞

Comentários

  1. Que história poderosa! E eu que só amava o Guimarães até agora, descubro a sua mulher para amar. Quanto espaço tenho pra Guimarães aqui dentro.

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