XADREZ

 

Estava observando uma partida de xadrez, na Livraria Cultura, ao lado da seção de Artes. Era a única presença feminina e loura entre os espectadores. K., que havia vencido a partida, perguntou se eu gostaria de jogar, e eu aceitei. K. era culto, todavia, parecia abduzido de Woodstock, óculos, cabelo comprido, grisalho, vários anéis, ficou envolvido com minha presença. Com o tempo você começa a estudar a linguagem corporal do adversário, sua movimentação ocular, desenvolve a capacidade de "ler" a mente das outras pessoas, o que não ocorre quando se joga com um computador.

 

Contou-me que o nome "xadrez" vinha da palavra persa shah, que significa "rei". Afirmou que, depois que os árabes invadiram a Pérsia, aprenderam com os persas o jogo do xadrez e levaram esse conhecimento quando invadiram a Espanha. Eu jogava com as brancas, uma vez que ele gentilmente cedeu-me a preferência. Saí com o peão do rei (P4R). K. falou, ainda, que as seis diferentes pedras do xadrez representavam a forma em que se vivia na Idade Média. Sua disposição no tabuleiro, o seu modo de se movimentar, inclusive seus nomes, tudo se relacionava com a vida medieval com sua pompa, elegância e seus conflitos.

 

Lembrei-me de grandes gênios do tabuleiro: Boris Spassky, campeão de 1969 a 1972; Bobby Fischer, campeão de 1972 a 1975; Anatoly Karpov, campeão de 1975 a 1985; Victor Korchnoi, que nunca foi campeão mundial, mas era um dos maiores enxadristas do mundo; Garry Kasparov, José Raúl Capablanca, Alexander Alekhine. Eu estava totalmente absorvida por aquela atmosfera, concentrada e ciente, como diria Magnus Carlsen, que o xadrez é uma guerra psicológica, com pequenos truques. Preparei-me para uma guerra relâmpago ou blitzkrieg.

 

K. havia bloqueado meu peão com um dos seus - um contra-ataque lógico e típico. Ataquei com meu bispo, o peão do Rei inimigo (B4BD). Novamente, K. respondeu movendo seu bispo exatamente da mesma forma. K. falou então que a expressão xeque-mate deriva do persa shah mat, que significa "o rei morreu". Nessa oportunidade, sorri para K. e movimentei minha dama, ameaçando o peão do Rei (D3BR). Cuidadosamente ocultei minha movimentação ocular. K. não percebeu o abismo que se avizinhava do seu rei, e tão somente moveu seu cavalo. Assim, mais uma vez, sorri, tomei o peão preto e dei xeque-mate, em quatro movimentos.

 

Jogar xadrez é assim: significa controlar a situação que se tem pela frente. Você quer conduzir seu próprio futuro. Não quer que seus adversários o determinem por você. "Se você enxerga uma boa ideia, procure uma melhor."

Comentários

  1. Lindo. O xadrez retrata uma realidade da vida. O mais importante e ver a vida como uma partida. 😊😊😊

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  2. Texto sedutor e maravilhoso! Você me colocou na cena entre os espectadores.

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